A recuperação secundária e a automação são duas de várias tecnologias que os operadores onshore já utilizam em seus ativos e que podem crescer ainda mais
Um dos maiores desafios da indústria onshore atualmente é a recuperação secundária, que consiste na técnica de injeção de água para o aumento da produtividade dos poços. Para que isso seja possível, é preciso que o operador tenha pleno conhecimento do reservatório onde está operando, normalmente por meio da sísmica, e que ele tenha automação no campo em questão, para melhor acompanhamento dessas atividades.
Essas são duas das várias vertentes que a indústria está estudando em termos de novas tecnologias para o onshore, que acabam sendo o aperfeiçoamento de soluções que já existem e que, em alguns casos, já estão sendo usadas.
A Imetame, por exemplo, já começou a realizar essas atividades no Polo Lagoa Parda, que foi comprado da Petrobras em outubro de 2019. “Para nossa surpresa, percebemos que o nível de automação era muito baixo. Então, nós começamos a fazer um processo de automação poço a poço, com o intuito de ganhar tempo, dinheiro e, simultaneamente, aumentar a segurança do ativo”, afirmou Miguel Nunez, diretor operacional da Imetame, em entrevista à Brasil Energia
O processo de automação, no qual a quantidade de bombeio é aumentada e o processo de tratamento de óleo em superfície melhorado, já influenciou a produção do Polo nos cinco primeiros meses, saindo de 100 barris, em média, na época da Petrobras, para 400 barris, em média, durante a operação da Imetame, mesmo com o alto corte de água (98%). “Esses 2% estão realmente fazendo a diferença”, afirmou o diretor operacional.
O investimento em automação é reiterado por Anabal Santos Júnior, secretário executivo da Abpip, que explica que essas tecnologias não são inéditas, mas poderiam estar sendo usadas em maior escala. “Existe uma expectativa de as das operadoras independentes aumentarem a produção dos ativos onshore que receberam da Petrobras. E isso tem várias causas, sendo que uma delas é que esses campos e poços estavam parados, muitas vezes, por falta de acompanhamento, investimento e pesquisa. Acredito que o segredo de uma boa performance nos campos onshore é justamente o acompanhamento da produção”, afirmou o secretário executivo.
Quando se fala em acompanhamento da produção, não se trata somente de trocar uma bomba ou uma coluna de perfuração. É muito mais do que isso, e o papel das universidades e startups é essencial para esse movimento, como veremos posteriormente.
Dar um passo para trás para dar dois à frente
Devido ao entusiasmo com a Indústria 4.0, com a transformação digital e com a automação, é possível esquecer da base para que essas tecnologias se desenvolvam. Isso acontece no onshore, por causa de um problema já conhecido: a escassez de dados sísmicos que, em bacias maduras, acabam sendo dados antigos e, em bacias de nova fronteira, simplesmente não existem.
“Os últimos levantamentos sísmicos no onshore brasileiro foram feitos na década de 1990, início dos anos 2000. Em cerca de 20, 30 anos, quanto esses equipamentos para aquisição sísmica não evoluíram? Adquirir dados com os equipamentos atuais ou, até mesmo, fazer uma reinterpretação desses dados com os softwares modernos são ações importantes para que possamos visualizar melhor os reservatórios”, explicou Marcos Allyson Rodrigues, professor associado da UFRN e chefe do Laboratório de Engenharia de Reservatórios de Petróleo (Labres) da universidade.
A melhor visualização dos reservatórios é fundamental para se ter um bom projeto de injeção de água para recuperação secundária, além de uma malha de poços que permita fazer essa “varredura”, conforme explicou Anabal. “Isso porque a injeção de água funciona como um corrente de água para ‘lavar’ a rocha, empurrando esse volume para ser produzido num outro poço à frente. Existem vários formatos de concessão de malha, para termos, por exemplo, um poço injetor para quatro produtores, ou o contrário. Isso depende muito do conhecimento do reservatório e significa, principalmente, que é necessário refazer interpretações dos dados sísmicos que o ativo dispõe”, continuou o secretário executivo.
Para o diretor operacional da Imetame, existe toda uma filosofia de recuperação secundária e terciária que ainda vai chegar ao Brasil. “Nós, que estamos entrando em campos maduros, merecemos trazer a maior quantidade de óleo que está lá embaixo”, afirmou Miguel. Não é à toa já que, segundo um estudo publicado pela ANP em 2018, se o fator de recuperação das bacias brasileiras aumentar em 1%, é possível gerar cerca de US$ 18 bilhões em novos investimentos e cerca de US$ 11 bilhões em royalties.
E o dinheiro?
Quando se fala de produtores onshore no Brasil, muitas vezes estamos falando de empresas de pequeno e médio porte, já que a Petrobras anunciou, em julho de 2020, que sairia dos campos terrestres completamente. Isso significa que a maioria dessas empresas não possui um laboratório próprio, um Cenpes (sigla para Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello, de propriedade da estatal), por exemplo, para estudarem essas tecnologias. Num primeiro momento, as empresas acabam recorrendo às startups quanto à inovação, mas é preciso ficar de olho também nas universidades.
“Os centros de pesquisa do Brasil estão nas universidades, e nós temos excelentes unidades no país para realizar essas pesquisas em todas as regiões, cada uma com as suas expertises. A universidade tem um papel de dar suporte ao onshore. A gente talvez não deva se voltar completamente ao offshore, que é onde temos os projetos mais vultosos, patrocinados pelos grandes players”, analisa Marcos Allyson.
Ele também acredita que a universidade precisa estar mais próxima do mercado, visto que as empresas só vão investir se conseguirem enxergar algum tipo de retorno daquele capital investido. Para isso, Marcos defende duas possibilidades: a prestação de serviços pelas universidades e a pesquisa aplicada.
“A prestação de serviço é, por exemplo, alguma análise importante feita em laboratório, como uma petrofísica, uma compatibilidade de perfuração com a cimentação do poço, uma técnica de recuperação avançada ou um levantamento sísmico. Já a pesquisa aplicada é fazer com que o desafio da indústria seja o combustível da academia. E isso motiva o aluno, porque ele vai ver que o projeto dele de mestrado ou doutorado não virou fundo de gaveta”, afirmou o professor da UFRN.
De acordo com o chefe do Labres, essa aproximação entre universidade e empresas acaba criando uma cultura de entrega de resultados. Posteriormente, isso pode chamar a atenção dos operadores que, segundo ele, podem se juntar num consórcio e acabarem financiando um projeto que seja comum a todos.
Tal realidade é parecida com a que Miguel viu nos Estados Unidos, durante o seu doutorado na Universidade de Oklahoma. “Essa universidade tinha, ao redor dela, cerca de 45 consórcios de petróleo, geologia, geofísica e energia, entre outros. Esses consórcios criavam grupos de pesquisas que eram patrocinados por grandes empresas, como Shell, ExxonMobil, PDVSA. No Brasil, essa figura, ou qualquer figura que permita à universidade levantar dinheiro, não existe”, afirmou o diretor da Imetame.
A saída encontrada foi a de investir em empresas juniores, onde estudantes – escolhidos pela Imetame – são assessorados por professores para fazerem pesquisa e cobrarem por esse trabalho. “Eu acredito que essas empresas juniores vão começar a crescer, se tornando rentáveis e podendo até mesmo se transformarem em algo parecido com os consórcios norte-americanos. Com isso, teremos uma integração completa entre o que a indústria merece e o que a pesquisa acadêmica pode fazer”, completou Miguel.
“Investir em universidade, em pesquisa, é uma parceria ganha-ganha. Ganha a universidade, que consegue bancar os equipamentos necessários para os projetos e remunerar seus alunos para fazer ciência; ganham as operadoras, com o aumento da produção, de faturamento e, consequentemente, de lucro; e o ganha o governo, com os royalties”, sintetiza o professor Marcos.
Para Anabal, é necessária uma mudança estrutural na regulação, permitindo que uma parte dos recursos de P,D&I sejam alocados no onshore, uma vez que as empresas que possuem Participação Especial estão, em sua maioria, no offshore e no Sudeste do país, sendo natural que esses investimentos sejam direcionados para projetos nas mesmas regiões.
“Existe um PL [Projeto de Lei n° 5066, de 2020] que tramita no Senado que tenta promover uma melhor distribuição desses recursos. Acredito que o Brasil vai precisar ter essa discussão para que encontre uma fórmula de funding desses projetos. Temos que descobrir uma forma de ampliar os esforços em financiamento de projetos de P,D&I no onshore. A gente tem recurso mas acaba não fazendo nada. Precisamos de diretrizes para esses fundos de pesquisa”, finaliza Anabal.
Por Ana Luisa Egues
Fonte: Brasil Energia